quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Quando a Justiça Falece

Quando a justiça falece
 
Quero aqui me remeter à época da realização do Fórum Social Mundial de 2002, quando foi lido um texto do renomado escritor José Saramago, que continha mais ou menos o seguinte teor: um camponês de Florença, vendo-se lesado impiedosamente em seu pequeno quinhão, por um aviltante marquês ou Conde, (sei lá, estamos falando do século XVI), sobe ao campanário e toca, em marcha fúnebre, o sino da matriz, para alertar à população que alguém havia morrido. E desta vez não se tratava de uma pessoa, mas, sim, da Justiça.
 
Desde então, há quatrocentos anos, a Justiça brasileira vem morrendo a cada dia, e agora acaba de falecer em Minas Gerais. Façamos, com tristeza, o funeral e enterremo-la com os rostos desfalecidos, pois, perdemos, mais uma vez, aquilo que havia (ou pensávamos haver) de mais correto, justo e transparente; e que sempre esteve a serviço do bem comum. 
 
O que vemos, no entanto, é a classe trabalhadora mineira ter no seu governo, um inimigo que usurpa um direito constituído. Essa é a prova cabal de que a Suprema Corte de Justiça, formada por juízes e tribunais de reputação ilibada, para defender os direitos da pessoa humana, garantidos, há mais de cinqüenta anos, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, está morta. Refiro-me, aqui, aos direitos básicos essenciais de que, hoje, raramente se fala.
 
Talvez pudessem questionar sobre o que Minas tem a dizer ao mundo, quando a apenas mil dias do evento mundial que sacode o planeta num investimento bilionário, faz exatamente cem dias que milhares de crianças mineiras estão fora da escola. Esta é uma das greves mais longas da história da educação em Minas. 
 
Sabe-se que o poderio econômico, fortalecido por grandes empresas, inclusive as multinacionais, sucumbem o mercado, fazendo com que, numa visão globalizada, o eixo monumental se sustentação do estado tenha como objetivo maior a arrecadação e lucro acima de qualquer coisa.
 
Tal visão capitalista aniquila as camadas mais pobres da sociedade e, cabe aqui colocar com exatidão, os gastos com Educação Pública. Com a subserviência palaciana da justiça, fica o governo livre para legislar a seu favor e dos grupos econômicos de seu interesse. Vale lembrar que, a partir daí, cabem todas as formas de ameaça imperialista aos educadores que clamam por seu direito mais sagrado: o de ter comida. E, como diriam os Titãs, a gente precisa, além da comida, de felicidade, e a queremos por inteiro, (este é um direito comum, inerente a todo ser humano).
 
Penso que tal Democracia, criada por atenienses milenares, e consagrada como um governo do povo, pelo povo e para o povo, tenha sido apenas uma utopia. Porém, a todos é dado o direito de sonhar, pois, são eles, os sonhos, que movem a vida e fazem-na mais leve. Permitem ainda que pessoas tenham ideais pelos quais são capazes de lutar até as últimas conseqüências, mesmo que muitos se sintam enfraquecidos, amedrontados e incapazes de resistir. E, para estes, Drummond certamente diria que só os fortes serão capazes de remover a pedra que bloqueia o túmulo da justiça, para fazê-la ressuscitar e cumprir as exigências legais. 
 
Fica evidente que, dos muitos direitos garantidos através da tal democracia, restou-nos apenas o voto secreto e livre, para mascarar um sistema demagógico e individualista. Um modelo econômico que fecha os olhos para as catastróficas ameaças à dignidade humana e fere a aspiração maior, a conquista daquilo que se considera primordial: a vida. E vale ressaltar, vida com dignidade. 
 
Hoje, tudo se discute no planeta, mobilidade urbana e sustentabilidade, buraco na camada de ozônio e possibilidade de vida em outro planeta. No entanto, nenhuma discussão sobre democracia como um direito inalienável do ser humano é levantada. E ficamos aí, na mísera esperança de que os poderes legalmente constituídos o façam para a satisfação plena e cidadã.
 
E assim, ferindo a ferro e fogo, os poderosos vão varrendo do planeta tudo o que representa ameaça aos seus quinhões. Vão formando grandes latifúndios que dividem entre seus iguais, feito deuses, loucos, insaciáveis, fazendo-se de surdos diante dos protestos das massas massificadas, violentadas, farrapos humanos sob seu domínio voraz.
 
Teria ainda muito a dizer, não poderia me calar, não fosse a certeza de que tenho um sindicalismo fraco aos olhos da sociedade, mas extremamente forte diante do poder opressor. Que não se rende jamais. Que tenta, exaustivamente, despertar as massas adormecidas para fazer ressuscitar a justiça, desfazer os blocos detentores do poder e tomar as rédeas na condução deste estado de injustiças.
 
Por fim, poderia dizer que a greve deflagrada em Minas, há mais de cem dias, se tornaria um caso de polícia, mas, lamento pela polícia que hoje está órfã de justiça. Daquela justiça, companheira dos homens e única condição humana para a felicidade. 
 
Quem sabe se, de repente, os sinos do camponês de Florença voltem a soar, desta vez, não em marcha fúnebre, mas para aclamar a ressurreição da justiça mineira. E aqui, é bom lembrar um ditado popular: " A justiça tarda, mas não falha". Caso isso aconteça, ouçamo-lo, com reverência.

Dalva Dias Magalhães
Professora de Língua Portuguesa
Barbacena MG

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